sábado, março 11, 2006

A vida mais perto da arte do que do jornalismo



Confesso que não sou grande fã do Rodrigo Guedes de Carvalho, pivô do Jornal da Noite da SiC, mas confesso que partilho algumas das suas ideias quando fala sobre entre o ser-se escritor e o ser-se jornalista.
Em entrevista publicada no Jornal de Notícias no Sábado, dia 11 de Março, Rodrigo Guedes de Carvalho fala do seu lado de escritor e argumentista.
É autor do livro A Casa Quieta, publicado há ano e meio, tendo sido um dos livros escolhidos pelo Instituto do Livro e das Bibliotecas para representar Portugal na bienal de Sâo Paulo. Em Abril prepara-se para lançar A Mulher em branco. Escreveu também o argumento do filme português "Coisa Ruim", que deverá estrear em Abril próximo.
Sendo a escrita uma paixão, é interessante como o jornalisto e a literatura se complementam, no que diz respeito à forma como essa mesma escrita é explorada: o lado objectivo, frio, racional, parcial do jornalista; e lado subjectivo, emotivo, imaginativo, por vezes irracional do escritor. É a perfeita dicotomia entre o pensar e o sentir, a razão e a emoção.

Vale a pena transcrever excertos desta entrevista

"Jornalismo passa ao lado da vida"
Não escreve para que lhe descubram as entranhas, mas reconhece que os seus livros dirão mais de si do que o jornalismo. Não tem a preocupação de obedecer às tendências e teme o dia em que a obra seguinte não esteja à altura da anterior.

Definiu um público alvo? (a propósito de Coisa Ruim)
Nunca o defino. Primeiro, porque podemos não atingir todo o público-alvo; segundo, porque estaríamos a excluir parte do público. Escrevo na esperança de que toda a gente aprecie, sabendo que isso é impossível. Mas há uma coisa que está a verificar-se e que nos enche de orgulho: na generalidade tivemos boa crítica e estamos a ter muito público. Os dados do primeiro fim-de-semana são muitíssimo prometedores.


A cultura merecia ter mais expressão nos media?
Completamente! Sou um lutador dentro da SIC para que a cultura tenha mais cobertura mediática. E nós já devemos ser os que lhe prestamos maior atenção.


Dois filmes nomeados para os Oscars levantaram questões essenciais sobre o jornalismo. Entre a vampirização dos afectos ["Capote"] e a incondicional vigilância da verdade ["Boa noite e boa sorte"] onde se situa?
No cinema interessa-me pouco a caução do real. Mas, por natureza, o jornalista é um vampiro, embora não tanto quanto o escritor, que está quase sempre a levitar do seu corpo. Tudo é matéria, mesmo as coisas mais pessoais. O jornalismo tem um drama: passa ao lado do essencial da vida. Toca, como um mosquito, coisas e vidas às vezes graves e segue para a próxima reportagem. Não podemos sentir-nos culpados. Não podemos embrenhar-nos na vida de todas as pessoas que tocamos.


Mas é-lhe permitida emoção, piscar o olho ao espectador?
Não sou um absoluto fundamentalista da objectividade, até porque, enquanto valor absoluto, não existe. O jornalista, passe o lugar comum, é um ser humano. Não pode é utilizar as emoções que retirou da reportagem para com isso manipular o espectador.


Os seus livros resultam da adaptação de episódios reais fornecidos pelo jornalismo?
Não preciso de acontecimentos reais para ficcionar. Até agora não o fiz, mas não me choca quem o faz. O escritor não deve ter barreiras que não sejam as do seu bom senso. Tudo serve, desde que seja feito com qualidade. Não pode haver barreiras na arte.


No seu caso, a informação funciona como elemento inibidor?
A informação com que lido não me tem fornecido matéria interessante. No meu próximo livro há uma criança que desaparece. Isso não quer dizer que o escrevi porque tenho dado muitas notícias sobre crianças que desaparecem. Mas como a minha escrita não tem nada de fantasioso - é sempre sobre pessoas e acontecimentos reais -, é normal que algumas situações sejam contaminadas por notícias que apresento.


Fez pesquisa sobre a matéria? (Sobre Mulher em branco)
Não, não pergunto nada a ninguém. Estou permanentemente a fazer pesquisa no meu dia-a-dia, em silêncio. E quando escrevo estou completamente a marimbar-me para as tendências, senão teria escrito um romance histórico. E estava garantido. Interessa-me a relação orgânica que tenho com a minha escrita, explorar cada vez melhor a palavra. Vejo a literatura como a escultura: temos um pedaço de granito e começamos a buscar o que está lá por baixo. É uma luta comigo: tentar ser melhor. E como tenho a vantagem de não viver da literatura, escuso de saber o que o mercado quer.
Fica a ideia de que se protege no jornalismo na proporção em que se expõe na literatura...
Nenhum deles sou eu, nem o escritor nem o jornalista. No jornalismo represento a redacção e as notícias produzidas nesse dia. Cumpro regras básicas: dou voz aos dois lados da notícia, trato com seriedade uns assuntos, permito-me leveza noutros. Basta uma pausa ou um sorriso e percebe-se que tenho uma visão irónica sobre aquilo. Mas não é o meu jornal, é o jornal da SIC. Na escrita, parece que finalmente está a conhecer-se as entranhas da pessoa - afinal é uma pessoa sensível [risos]. Mas a escrita é também a representação de algo. Mesmo que aquilo que escrevo pareça quente e arrancado num repente, o processo de escrita é um mecanismo frio para provocar essa sensação.


Não me refiro a literatura autobiográfica. O facto de escrever sobre sangue não quer dizer que esteja a sangrar, mas escrever sobre sangue dirá uma coisa diferente do que diria se escrevesse sobre água.
Sim, nesse sentido, sou muito mais eu na escrita, embora não tenha partido com essa necessidade de me dar a conhecer. Escrevo porque me dá prazer. É natural que diga muito de mim, quer nas escolhas dos temas, quer nos desenhos das personagens. Está lá muito do que amo e muito do que odeio.


Deposita nos livros o que despreza na sua vida?
Não trabalho com essa missão, mas às vezes acontece. No novo romance há um personagem que representa tudo o que me repugna. É como se estivesse a libertar-me de algo que não quero para a minha vida, que não gostaria de ser. Há quem diga que se escrevo aquela cena é porque ela está dentro de mim, não entendo. Por exemplo, em "A casa quieta" escrever sobre a incomunicabilidade ajudou a melhorar a minha vida. Não posso escrever sobre o drama que é perdermos tempo a não dizermos que gostamos uns dos outros se não o praticar na minha vida.

O encanto da escrita reflecte um desencanto com o jornalismo?
Não, até porque comecei a escrever antes de ser jornalista. O jornalismo, de alguma forma, passa ao lado do essencial da vida. Pela sua natureza, volatilidade, rapidez. Interessam-me coisas onde possa estacionar, pensar mais. A arte, sendo ficção, aproxima-nos mais do que é essencial na vida do que a realidade nua e crua do jornalismo. E o que procuramos na arte são emoções.

Questiona o seu talento enquanto escritor?
Todos os dias e cada vez mais.

Essa superação constante nos seus livros passa muito pelo apuramento da forma. É mais importante do que o conteúdo?
A forma é o que realmente nos toca. No jornalismo, o sensacionalismo nunca está no conteúdo, está sempre na forma. Na literatura, dois escritores podem pegar na mesma história e só um tocar-nos. Tocar, revolver, emocionar está na forma como se escreve.


Se perguntar se é escritor provavelmente dir-me-á que não...
Sou escritor e jornalista. Mas tenho tanto respeito pela palavra escritor que não quero ser eu a considerar-me.


A literatura é o seu campeonato.
Sim, é querer ser considerado escritor.

2 comentários:

Flávia disse...

Olá sr Reporter "conhecido de outras paragens" :). Bem-vindo ao meu cantinho.
Só escolhi excertos desta entrevista por defender algumas das ideias que o Rodrigo também defende (jornalismo/literatura)

Flávia disse...

Qual resposta? eu não recebi qualquer informação!?