domingo, março 26, 2006

A praia que me viu crescer

O mar azul espraia-se languidamente na Areia Branca

Os campos verdes pintam as arribas que recortam o teu Areal

Do alto avisto-te ao longe esbelta e serena
e trazes-me à lembrança a infância em cujas tardes quentes de veraneio passava em teu Areal e me vestia de areia só para poder entrar nas tuas águas

Escondes em cada onda as confissões feitas em surdina só entre tu e eu....

quarta-feira, março 22, 2006

Dia Mundial da Poesia

Escrever poesia, no mundo actual, é uma forma de conservar o que, em cada dia, vamos perdendo: o ser no tempo, a identidade do eu na dissolução do sujeito devorado pelo movimento do mundo."

Nuno Júdice, As Máscaras do Poema, Lisboa, 1998

Deixo Nuno Júdice e acho que vou pedir à musa inspiradora de Camões para me iluminar também.

sábado, março 18, 2006

O que dá andar dessarrumar estantes



Pois é, de vez em quando, com alguma regularidade, lá tem de ser, pois o que não gosto mesmo é ver os meus livros entranhados com resquícios de pó.
No meio de alguns muitos :), lá estava o Baudolino de Umberto Eco, um dos livros que mais me apaixonaram e um dos mais parcantes no meu percurso de leitora e de pessoa interessada em literatura.

Umberto Eco desafia o leitor a compreender o que parece indecifrável, desafia-o mesmo a quase deixar de ler, numa espécie de tensão literária, em que o próprio escritor quer conduzir o leitor do (in)decifrável em (in)decifrável, de época em época, fazendo-o pensar no que é no fim de contas a literatura. Neste sentido, este texto literário é concebido como uma espécie de manta de Penélope, cujos retalhos Penélope faz e desfaz num movimento constante. É no fundo o que o autor desta obra quer levar o leitor a pensar: a literatura não é mais do que uma manta de retalhos que vão sendo entretecidos, sendo também essa manta cada texto literário em que parte das suas referências nos remetem para a tradição literária.
Baudolino, a personagem principal, desempenha ele próprio a função de leitor, ao mesmo tempo ouvinte de toda uma tradição literária. Eco transporta-nos à época medieval, altura em que a literatura possuia apenas uma base oral.
Baudolino conhece os mundos da literatura e torna-se, portanto, leitor e re-leitor dessa tradição. Além de conhecedor, esta personagem é ainda contadora de histórias e escreve versos para um "falso" poeta. A um terceiro plano, Baudolino é também ele uma personagem história, pois o que a obra de Umberto Eco também nos conta não é mais do que também o seu enamoramento ficcional pela Senhora do Licórnio ou, como queiram, Dame à la Licorne, na tradição medieval francesa, tradição literária que remonta aos finais do século XV bem representada numa extraordinária tapeçaria medieval que pode ser vista no Museu de Clunny, em Paris.
Ora, no desenrolar da estória, cuja narração é assegurada por Baudolino, aparece-nos Nicetas, um dos ouvintes do contador dé estórias por excelência, um sábio mestre da ficção e ábil na construção de histórias ficcionadas, a ponto de reconhecer em Baudolino um grande mentiroso. Uma vez mais o leitor atento consegue dar-se conta da presença bem disfarçada do autor, um autor que, também através do discurso de duas personagens ligadas ao mundo da literatura, quer levar o leitor a compreender que a aparente verdade de um texto literário resulta apenas e sobretudo de estratégias narrativas.
Além de Nicetas, Diácono João é outra das personagens ouvintes de Baudolino. Diácono João vive fascinado com as estórias contadas, enquanto registos de vivências possíveis, de mundos que poderiam existir e que a literatura e qualquer arte tem o dom de construir. diácono João, ao contrário de Nicetas, não é mais do que o exemplo do protótipo de leitor que se deixa levar pelas "verdades" que emanam dos textos.
O livro de Umberto Eco apresenta-nos ainda um quarto plano de leitor: Nós que aqui e agora nos prendemos à leitura da obra de Eco, sentindo-nosfascnados pela leitura e por toda a tradição do contar de histórias que remonta à época medieval. Nós, leitores atentos e conhecedores dessa tradição literária, somos levados a identificar cada passo que nos remete para essa tradição num texto minado de referências. Nesta perspectiva, somos também ouvintes, leitores e estamos convocados a reler toda essa literatura que está para trás e, quem sabe, tornarmo-nos também transmissores e contadores de histórias.

Para os interessados, o Baudolino de Umberto Eco é publicado pela editora portuguesa Difel, com tradução de José Colaço Barreiros

sábado, março 11, 2006

A vida mais perto da arte do que do jornalismo



Confesso que não sou grande fã do Rodrigo Guedes de Carvalho, pivô do Jornal da Noite da SiC, mas confesso que partilho algumas das suas ideias quando fala sobre entre o ser-se escritor e o ser-se jornalista.
Em entrevista publicada no Jornal de Notícias no Sábado, dia 11 de Março, Rodrigo Guedes de Carvalho fala do seu lado de escritor e argumentista.
É autor do livro A Casa Quieta, publicado há ano e meio, tendo sido um dos livros escolhidos pelo Instituto do Livro e das Bibliotecas para representar Portugal na bienal de Sâo Paulo. Em Abril prepara-se para lançar A Mulher em branco. Escreveu também o argumento do filme português "Coisa Ruim", que deverá estrear em Abril próximo.
Sendo a escrita uma paixão, é interessante como o jornalisto e a literatura se complementam, no que diz respeito à forma como essa mesma escrita é explorada: o lado objectivo, frio, racional, parcial do jornalista; e lado subjectivo, emotivo, imaginativo, por vezes irracional do escritor. É a perfeita dicotomia entre o pensar e o sentir, a razão e a emoção.

Vale a pena transcrever excertos desta entrevista

"Jornalismo passa ao lado da vida"
Não escreve para que lhe descubram as entranhas, mas reconhece que os seus livros dirão mais de si do que o jornalismo. Não tem a preocupação de obedecer às tendências e teme o dia em que a obra seguinte não esteja à altura da anterior.

Definiu um público alvo? (a propósito de Coisa Ruim)
Nunca o defino. Primeiro, porque podemos não atingir todo o público-alvo; segundo, porque estaríamos a excluir parte do público. Escrevo na esperança de que toda a gente aprecie, sabendo que isso é impossível. Mas há uma coisa que está a verificar-se e que nos enche de orgulho: na generalidade tivemos boa crítica e estamos a ter muito público. Os dados do primeiro fim-de-semana são muitíssimo prometedores.


A cultura merecia ter mais expressão nos media?
Completamente! Sou um lutador dentro da SIC para que a cultura tenha mais cobertura mediática. E nós já devemos ser os que lhe prestamos maior atenção.


Dois filmes nomeados para os Oscars levantaram questões essenciais sobre o jornalismo. Entre a vampirização dos afectos ["Capote"] e a incondicional vigilância da verdade ["Boa noite e boa sorte"] onde se situa?
No cinema interessa-me pouco a caução do real. Mas, por natureza, o jornalista é um vampiro, embora não tanto quanto o escritor, que está quase sempre a levitar do seu corpo. Tudo é matéria, mesmo as coisas mais pessoais. O jornalismo tem um drama: passa ao lado do essencial da vida. Toca, como um mosquito, coisas e vidas às vezes graves e segue para a próxima reportagem. Não podemos sentir-nos culpados. Não podemos embrenhar-nos na vida de todas as pessoas que tocamos.


Mas é-lhe permitida emoção, piscar o olho ao espectador?
Não sou um absoluto fundamentalista da objectividade, até porque, enquanto valor absoluto, não existe. O jornalista, passe o lugar comum, é um ser humano. Não pode é utilizar as emoções que retirou da reportagem para com isso manipular o espectador.


Os seus livros resultam da adaptação de episódios reais fornecidos pelo jornalismo?
Não preciso de acontecimentos reais para ficcionar. Até agora não o fiz, mas não me choca quem o faz. O escritor não deve ter barreiras que não sejam as do seu bom senso. Tudo serve, desde que seja feito com qualidade. Não pode haver barreiras na arte.


No seu caso, a informação funciona como elemento inibidor?
A informação com que lido não me tem fornecido matéria interessante. No meu próximo livro há uma criança que desaparece. Isso não quer dizer que o escrevi porque tenho dado muitas notícias sobre crianças que desaparecem. Mas como a minha escrita não tem nada de fantasioso - é sempre sobre pessoas e acontecimentos reais -, é normal que algumas situações sejam contaminadas por notícias que apresento.


Fez pesquisa sobre a matéria? (Sobre Mulher em branco)
Não, não pergunto nada a ninguém. Estou permanentemente a fazer pesquisa no meu dia-a-dia, em silêncio. E quando escrevo estou completamente a marimbar-me para as tendências, senão teria escrito um romance histórico. E estava garantido. Interessa-me a relação orgânica que tenho com a minha escrita, explorar cada vez melhor a palavra. Vejo a literatura como a escultura: temos um pedaço de granito e começamos a buscar o que está lá por baixo. É uma luta comigo: tentar ser melhor. E como tenho a vantagem de não viver da literatura, escuso de saber o que o mercado quer.
Fica a ideia de que se protege no jornalismo na proporção em que se expõe na literatura...
Nenhum deles sou eu, nem o escritor nem o jornalista. No jornalismo represento a redacção e as notícias produzidas nesse dia. Cumpro regras básicas: dou voz aos dois lados da notícia, trato com seriedade uns assuntos, permito-me leveza noutros. Basta uma pausa ou um sorriso e percebe-se que tenho uma visão irónica sobre aquilo. Mas não é o meu jornal, é o jornal da SIC. Na escrita, parece que finalmente está a conhecer-se as entranhas da pessoa - afinal é uma pessoa sensível [risos]. Mas a escrita é também a representação de algo. Mesmo que aquilo que escrevo pareça quente e arrancado num repente, o processo de escrita é um mecanismo frio para provocar essa sensação.


Não me refiro a literatura autobiográfica. O facto de escrever sobre sangue não quer dizer que esteja a sangrar, mas escrever sobre sangue dirá uma coisa diferente do que diria se escrevesse sobre água.
Sim, nesse sentido, sou muito mais eu na escrita, embora não tenha partido com essa necessidade de me dar a conhecer. Escrevo porque me dá prazer. É natural que diga muito de mim, quer nas escolhas dos temas, quer nos desenhos das personagens. Está lá muito do que amo e muito do que odeio.


Deposita nos livros o que despreza na sua vida?
Não trabalho com essa missão, mas às vezes acontece. No novo romance há um personagem que representa tudo o que me repugna. É como se estivesse a libertar-me de algo que não quero para a minha vida, que não gostaria de ser. Há quem diga que se escrevo aquela cena é porque ela está dentro de mim, não entendo. Por exemplo, em "A casa quieta" escrever sobre a incomunicabilidade ajudou a melhorar a minha vida. Não posso escrever sobre o drama que é perdermos tempo a não dizermos que gostamos uns dos outros se não o praticar na minha vida.

O encanto da escrita reflecte um desencanto com o jornalismo?
Não, até porque comecei a escrever antes de ser jornalista. O jornalismo, de alguma forma, passa ao lado do essencial da vida. Pela sua natureza, volatilidade, rapidez. Interessam-me coisas onde possa estacionar, pensar mais. A arte, sendo ficção, aproxima-nos mais do que é essencial na vida do que a realidade nua e crua do jornalismo. E o que procuramos na arte são emoções.

Questiona o seu talento enquanto escritor?
Todos os dias e cada vez mais.

Essa superação constante nos seus livros passa muito pelo apuramento da forma. É mais importante do que o conteúdo?
A forma é o que realmente nos toca. No jornalismo, o sensacionalismo nunca está no conteúdo, está sempre na forma. Na literatura, dois escritores podem pegar na mesma história e só um tocar-nos. Tocar, revolver, emocionar está na forma como se escreve.


Se perguntar se é escritor provavelmente dir-me-á que não...
Sou escritor e jornalista. Mas tenho tanto respeito pela palavra escritor que não quero ser eu a considerar-me.


A literatura é o seu campeonato.
Sim, é querer ser considerado escritor.

segunda-feira, março 06, 2006

Castelo de cartas


Assaltam-me incertezas
Roubam-me prantos
Quebram-se quimeras
Aloja-se a mágoa

..... e o sonho...frágil...
esvai-se...
perante a súbita tempestade do vento

Desmoronam-se paraísos de esperança
ah Antero! pudesses tu ressuscitar cavaleiros andantes!

Ser ou não ser?

Confesso que milhentas ideias me passaram pela cabeça e que chegaram ao ponto de destruir este blog. Mas por mais que não escreva aqui, é o meu espaço de divagação, de dar a conhecer o que vou escrevendo e até o que não vou escrevendo, o que tem acontecido nestes últimos tempos. Ora, é baseado neste ponto que decidi continuar com este meu espacinho, porque ao "artista" (será que me incluo?!) também lhe é dado o direito a não conceber qualquer obra, porque a concepção envolve uma vontade megalómana de fazer arte, de explorar ad infinitum a expressão artística, como se se tratasse da seiva que alimenta o criador e a sua obra.
Portanto, se isto acontece aos "grandes", eu rendo-me às evidências.
Pode ser que comece a mostrar a minha outra vertente mais jornalística e a deixar por aqui algumas crónicas.